17 Abril 2023
O artigo é de Xabier Pikaza, publicado por Religión Digital, 12-04-2023.
Com o anúncio do processo de H. de Lubac as coisas podem mudar. Os promotores do Vaticano II estão batendo às portas: Rahner e Congar, Balthasar e Chenu, Danielou, Teilhard de Ch., com vários outros (entre eles Ratzinger, talvez por ter sido papa).
Eu poderia citar alguns de seus trabalhos aqui. Mas prefiro retomar o verbete que lhe dedico no Diccionario de Pensadores Cristianos (562-565), onde cataloguei (com vida, obra e virtudes) pelo menos oito nomes de teólogos dignos de canonização (além aos mencionados): Lonergan, Gera, Casaldáliga, Ellacuría, Lagrange, Bonhöffer, Ferrara, Florenski... com outros que demoraria a recordar. Aqui vai, em nome de todos, minha memória de H. de Lubac.
Foto: Religión Digital
Henri-Marie de Lubac (Cambrai, 20-02-1896, Paris, 04-09-1991) foi um jesuíta, teólogo e cardeal francês. Ele pode ser considerado um dos teólogos mais influentes do século XX. Seus escritos desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento da doutrina do Concílio Vaticano II.
“Sem pretender traçar caminhos novos para o pensamento, tentei, antes, sem nenhum passadismo, dar a conhecer alguns dos grandes lugares da tradição católica. Quis fazer com que ela fosse amada, mostrar sua fecundidade sempre atual”. Trazer à tona o pensamento dos Padres da Igreja em sua pureza e indicar a riqueza e a vitalidade que os teólogos, os homens da Igreja e todos os que estavam em busca da verdade podiam tirar dele foi a intenção de toda a vida do Pe. de Lubac, como ele mesmo afirmou em diversas circunstâncias ao longo de sua intensa atividade intelectual e pastoral.
Um dos maiores espíritos que contribuíram para o desenvolvimento da teologia contemporânea antes, durante e depois da virada do Concílio Vaticano II, para o qual trabalhou após ter sido chamado na qualidade de perito pelo Papa João XXIII, ele se interessou pelas problemáticas e pelas diferentes realidades culturais e eclesiais que o cercavam.
Esse interesse é testemunhado por suas numerosas e imponentes obras publicadas a partir dos anos 1930, quando lecionava nas Faculdades Católicas de Lyon, até os anos 1980: obras como Catolicismo. aspectos sociais do dogma, que tem origem em algumas conferências proferidas a estudantes asiáticos sobre o dogma católico; Corpus mysticum, sobre a relação entre Igreja e Eucaristia; e, nos anos de guerra, O drama do humanismo ateu, que, junto com seus estudos sobre Proudhon, testemunha sua atenção à crise espiritual do ser humano moderno no Ocidente.
Durante o período da ocupação alemã, junto com amigos e companheiros jesuítas, ele trabalhou para manter vivo nos franceses o verdadeiro espírito cristão contra os ideais do nazismo e do antissemitismo, por meio dos Cahiers du témoignage chrétien.
Colaborou com a redação da série de textos de autores cristãos antigos intitulada “Sources chrétiennes", que obteria um enorme sucesso.
Surnaturel: études historiques trata da relação entre filosofia e teologia, fé e razão: é um tema com qual ele se ocupou em várias ocasiões ao longo de sua vida e que lhe trouxe acusações de todos os tipos nos ambientes das Faculdades Teológicas, especialmente em Roma, e graves incompreensões pelo Santo Ofício e pelas autoridades da Companhia de Jesus, até se chegar à suspensão do ensino em junho de 1950, junto com outros quatro padres jesuítas da Faculdade de Lyon-Fourvière, por parte do padre geral dos jesuítas, com a motivação de “erros perniciosos sobre pontos essenciais do dogma”.
Poucos meses depois foi publicada a encíclica Humani generis, de Pio XII, que tratava das correntes e das tendências culturais consideradas perigosas para a integridade da doutrina cristã. Em muitos lugares, a primeira referência é o Pe. de Lubac e a nouvelle theologie, da qual ele é o principal promotor. Seus livros seriam retirados de circulação, e ele seria proibido de residir em casas de formação.
É desses anos conturbados, nos quais ele passaria por diversos deslocamentos, incluindo até uma breve estada em Cartago, que são as obras sobre o budismo, Sobre os caminhos de Deus, e volumosas obras sobre exegese antiga em Orígenes (História e espírito) e os Padres da Idade Média (Exegese medieval).
Depois de quase dez anos, ele voltou a lecionar, foi nomeado membro do Institut de France e participou, como já dito acima, dos trabalhos do Concílio como perito, sobretudo na redação das constituições dogmáticas. Durante esse período, ele estreitou uma forte amizade com Karol Wojtyla.
Nesse ínterim, ele se ocupou, sob o encargo dos padres provinciais da França e com vários escritos, do Pe. Teilhard de Chardin, defendendo a ortodoxia de seu pensamento. Foi nomeado consultor do Secretariado para as Religiões não Cristãs e do Secretariado para os não Crentes, e tornou-se membro da Pontifícia Comissão Teológica Internacional.
Nos anos posteriores ao Concílio Vaticano II, interessou-se pela situação de crise que afetava a Igreja (“Paradoxo e mistério da Igreja”, “A Igreja na crise atual”, “Les Églises particulières dans l’Église universelle”). Também publicou um estudo sobre Pico della Mirandola e textos sobre Joaquim de Fiore.
Já em 1965, foram publicadas as correspondências comentadas por ele entre Teilhard de Chardin e Blondel e deste último com Auguste Valensin, seus amigos. Em 1985, publicou o intercâmbio epistolar comentado entre seu amigo Gaston Fessard e Gabriel Marcel.
Sobre sua profícua atividade de escritor e estudioso, ele confessa na sua Memória em torno de minhas obras:
“A quem me pergunta, com um pouco de ironia, ‘o que estou escrevendo’, costumo responder que não sou uma máquina de fazer livros. Como se pôde notar, quase tudo o que escrevi decorreu de circunstâncias muitas vezes imprevistas, em uma ordem esparsa e sem preparação técnica [...] Nunca tive a pretensão de fazer uma obra de sistematização filosófica, nem de síntese teológica. Mas, deixando essa dupla tarefa a outros dotados dos dons necessários, ainda recentemente, de modo mais geral, me referia [...] à grande tradição da Igreja entendida como a experiência de todos os séculos cristãos que vem iluminar, orientar, dilatar a nossa mesquinha experiência individual, protegê-la contra as desorientações, aprofundá-la no Espírito do Cristo, abrir-lhe os caminhos do futuro.”
Nos últimos anos de vida, continuou escrevendo, apesar da idade, da doença, da paralisia e da perda da voz. Morreu aos 95 anos de idade.
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Henri de Lubac (1896-1991): Primeiro teólogo santo moderno? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU